Moreira é uma freguesia do concelho da Maia, com a categoria de Vila, desde 21 de junho de 1995.
Moreira, a “Villa Moraria”, como é referida pelos notários de meados da Idade Média, aparece, pela primeira vez de forma segura, referida em documentos do início do século X, quase 2 séculos antes do nascimento de Portugal.
A “Maya” visigótica data da pré-nacionalidade e o seu primeiro Governador foi D. Gonçalo Soares Sapata, no ano 1111. Nos campos de S. Mamede, em 1128, os Mendes da Maia, juntamente com o moço Infante, consolidaram o seu valor histórico ao derrotar os Castelhanos. Mais tarde, Gonçalo Mendes da Maia (o Lidador), foi o Adiantado de D. Afonso Henriques nas lides contra os infiéis. A Maia foi o berço da Nacionalidade e, por conseguinte, a pedra angular da Pátria Portuguesa. D. Manuel I concedeu foral à Maia em 1519.
Associado a este contexto histórico afirmava-se, em Moreira, uma comunidade monástica que, a partir do séc. XVI passou para a dependência da Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, conhecidos como Crúzios. É com os Crúzios que se dá a construção do Mosteiro de Moreira, com um templo dedicado a São Salvador. O complexo monacal que se institui em Moreira é verdadeiramente marcante, ainda hoje, na paisagem da freguesia e determinou aquilo que foi a evolução da povoação na Época Moderna. Com efeito, os Agostinianos foram os responsáveis, durante séculos, pelo povoamento e cultivo da área envolvente ao Mosteiro. Pólo de irradiação cultural, o convento de Moreira afirmou-se, ainda, durante séculos, como ponto de referência para apoio aos peregrinos de Santiago, rumo a Compostela.
A Freguesia de Moreira é, sem sombra de dúvida, uma das mais históricas e antigas da região de Entre Douro e Ave, ou seja, “DA MUI ANTIGA TERRA DA MAIA”.
A seguir se darão a conhecer documentos que nos revelam facetas do nosso passado coletivo, que terão certamente interesse quer para investigadores quer para curiosos.
A Primeira Imagem de Moreira | Memórias Paroquiais Moreira | Moreira vista por Pinho Leal
Histórias da nossa História
Totalmente verídicas, algo ficcionadas, do domínio da lenda, aqui iremos apresentando pequenas histórias que, tal como as tesselas dos mosaicos, irão fazer a nossa grande história.
Santo Lenho e o Terramoto de 1755
Celebra-se ou a 3 de Maio ou a 14 de Setembro, e desde tempos imemoriais, a festa de Santa Cruz. Esta festa religiosa celebra a Exaltação de cristo vencedor da morte e do pecado pelo sangue derramado no alto da cruz. Para o Cristianismo a cruz é o símbolo maior de fé. É com os seus traços que nos benzemos do levantar até ao deitar. No Batismo o primeiro sinal de acolhimento à criança é o sinal-da-cruz traçado na sua fonte pelo Padre, Pais e Padrinhos, assinalando-a para sempre com a marca de Cristo. A cruz recorda o Cristo crucificado, o sacrifício de sua paixão, o seu martírio que nos deu a salvação. Ora na Terra da Maia existe desde há muitos séculos o Santo Lenho de Moreira, uma das mais conhecidas relíquias da verdadeira cruz. Era já referida no testamento de Gonçalo Guterres, em 1085, sendo de admitir que tivesse vindo pouco antes do Oriente. Trata-se de um pequeno pedaço de madeira que se encontra encastoado num esplêndido Relicário, verdadeira jóia da Ourivesaria Portuguesa, representando uma cruz, em ouro e pedras preciosas. Na cruz a figura de Cristo e na base Anjos orantes. Ter-se-á perdido durante algum tempo, até que veio a ser encontrada em 1510 escondida por baixo da pedra de Ara. Esta redescoberta foi muito saudada pela população, que tinha grande fé na relíquia.
Nas “Memórias Paroquiais” de 1758, o então Pároco de Moreira atribui à influência do Milagroso pedaço de madeira o facto de o Mosteiro e a freguesia não terem sofrido dano algum no tremor de terra de 1755.
Eis o excerto das “Memórias” em que o Pároco de então, o cura António José de Pinho, atribui ao Santo Lenho a proteção durante o grande sismo. Reza assim, vertido para português atual:
“Também se experimentou nesta Freguesia o espantoso terramoto do primeiro de novembro de mil e setecentos e cinquenta e cinco, com a mesma violência de impulsos que nas mais partes, porem não causou ruína alguma, o que os seus moradores atribuíram à prodigiosa relíquia do Santo Lenho que se venera há muitos séculos na Igreja do Mosteiro; e por virtude da mesma relíquia é tradição antiquíssima entre os moradores da Freguesia que nunca nela caiu raio, sendo muito contínuos nas Freguesias contíguas, tanto assim que caindo há muitos anos um raio no fim dos limites da Freguesia em uma árvore, queimou dela só a parte que ficava fora dos marcos da Freguesia, ficando a outra parte fresca e vigorosa, e por este respeito muitas pessoas das Freguesias vizinhas logo que vêm ameaços de grandes trovoadas fogem para dentro dos limites desta Freguesia de Moreira, e na festa principal do Santo Lenho que é a três de Maio, concorrem as cinquenta e duas Freguesias do Concelho da Maia; a sua celebridade (é tal que) as pessoas de maior distinção procuram ser juízes da festa”.
Vendo a crença no efeito protetor da relíquia, não admira que o Mosteiro de Moreira fosse muito procurado, mesmo em peregrinação, por gentes das terras vizinhas, mormente pescadores de Matosinhos e lavradores de Vila do Conde e do interior, que se colocavam sob a proteção do Santo Lenho.
JAMM
Ilustres
De nascimento ou por adoção, porque aqui viveram ou porque concorreram para o engrandecimento do nome e da história da nossa Vila, eis um painel de Moreirenses Ilustres.
Albino José Moreira «Mestre Albino»
Nasceu a 1 de Agosto de 1895, no lugar de Pedras Rubras da freguesia de Moreira. Criança obediente, não tendo aprendido a não ser as primeiras letras, desde cedo começou a ajudar o pai na sua profissão de barbeiro. A sua «veia artística» revela-se desde logo com desenhos tímidos e sonhadores nos cartuchos de papel da tasca. Casa em 1920 com a prima Maria Moreira nascendo-lhe pouco depois a sua única filha, Pureza. Para complementar os parcos rendimentos da tasca/barbearia, ia biscatando aqui e acolá de funileiro e de picheleiro, especializando-se na iluminação a gás. Com o advento da eletricidade, adaptou-se a ela e passou também a exercer de eletricista. Chegou mesmo a constituir uma pequena empresa para distribuir eletricidade em algumas freguesias de Vila do Conde. O seu gosto pelas artes levou-o a aproximar-se do teatro e a desempenhar mais uma das suas «profissões», a de cenógrafo, através da qual se tornou conhecido por toda a Terra da Maia. Muitos eram os grupos dramáticos que o disputavam para pintar os cenários de uma peça Só numa idade já avançada, nos inícios dos anos 70, abandonou a atividade profissional para se dedicar exclusivamente à pintura. Em 1972 estreou-se num concurso do então SNI, sendo não só premiado, como «adotado» pela comunidade dos designados pintores naïf. Depois, passa a figura habitual nas exposições da Galeria do Casino Estoril, guindando-se ao primeiro plano dos artistas «primitivos modernos». A enorme importância da sua pintura para a Maia é a evocação fiel dos usos, costumes, tradições, monumentos, pessoas e acontecimentos, que a sua memória fotográfica e as suas cores vivas e dinâmicas verteram para a tela. É, verdadeiramente, um «fotógrafo» da ruralidade maiata. Faleceu a 3 de Maio de 1994.
José Augusto Maia Marques
António da Silva Moreira
Quem entra no Cemitério Paroquial de Moreira pela porta principal, reparará na existência de uma capela funerária encimada por uma estátua de corpo inteiro. Foi mandada edificar por António da Silva Moreira, e é hoje pertença da Junta de Freguesia. António da Silva Moreira foi provavelmente o mais importante dos «Brasileiros» moreirenses e dono da Casa do Torre, no Largo da Feira. O Pe. Joaquim Antunes de Azevedo traça-lhe uma breve biografia de onde respigamos esta citação:
«Quem reedificou esta casa […] foi o Exmo. Sr. António da Silva Moreira para aqui residir com sua irmã, viúva […] fazendo aqui vários melhoramentos, como casas, ramadas, engenho de tirar água, vinha, que aqui plantou, dando em poucos anos (três ou quatro) seis pipas de excelente vinho. […] O Exmo. Comendador Moreira foi um dos Brasileiros mais ricos das nossas terras, cuja fortuna foi toda granjeada por si à custa de muitos suores, fadigas, trabalhos e até com perigos da própria vida lá por essas terras de além-mar, e mesmo depois de voltar à sua pátria não tem cessado de trabalhar, porque sempre foi um homem laborioso, valente, arrojado e destemido. Foi em seu principio criado com poucos meios […] até que se resolveu a pedir a seu pai para ir para o Brasil onde o esperava a fortuna e os perigos e trabalhos, vencendo estes, mediante Deus, e ficou com aquela que muito bem sabe empregar como foi com os importantes reparos da Igreja de Moreira principalmente em madeiramento do corpo da Igreja e Capella Mor e telhados, onde gastou para cima de dous contos de reis. […] Tem o Exmo. Comendador Moreira bons prédios na rua de Malmerendas da cidade do Porto e em S. João da Foz, sendo um dos maiores contribuintes da cidade do Porto, assim como seu genro e sobrinho Joaquim Soares”.
António da Silva Moreira protagoniza a vida de Moreira desde os fins de setenta do século XIX, constrói o seu jazigo (aspeto muito importante e de grande valor simbólico) em 1883, tendo-o concluído com a colocação da sua estátua em 1884. Uma curiosidade interessante marca este homem. A obra de maior destaque do Conselheiro Luís de Magalhães foi, sem sombra de dúvida, «O Brasileiro Soares». Com prefácio de Eça de Queirós, é baseada em palcos e personagens moreirenses. Passada sobretudo entre a própria Quinta do Mosteiro, as Guardeiras e o Largo da Feira de Pedras Rubras, visita também lugares como Maia, Bouças, Soutelo, Portela, etc. O livro foi publicado em 1886, tendo sido concluído com toda a certeza alguns meses antes, e tendo sido escrito provavelmente também durante os princípios de oitenta do século XIX. António da Silva Moreira tem um percurso muito idêntico ao do «brasileiro Soares» – numa primeira fase, a origem modesta, a ida para o Brasil, o granjear de fortuna, e o regresso. Numa segunda, a aquisição de terras, a construção da casa nova, o casamento. Finalmente numa terceira, a infelicidade que, no caso de Soares o leva ao suicídio, no caso de Moreira ao divórcio. Magalhães conhecia, com toda a certeza, e muito bem, António da Silva Moreira e toda a sua história de vida. E conheceria também o seu genro, sobrinho e sucessor, cujo nome era justamente – adivinhem lá – Joaquim Soares, o mesmo nome do protagonista do Romance. Ficção e realidade de mãos dadas? Creio que sim.
José Augusto Maia Marques
António Maia da Silva Freitas
Natural da Vila de Moreira – Maia, desenvolveu a sua atividade profissional na área da Administração local. Exerceu funções nas Câmaras Municipais de Vila Nova de Gaia, Maia, Santo Tirso, Póvoa do Varzim e Paredes, onde terminou a carreira como Diretor do Departamento Administrativo e Financeiro, aposentando-se em Janeiro de 1995. Fez uma carreira impoluta, à custa de muito trabalho, sempre participando em concursos, nunca através de favores. E não foi fácil. Dado que «santos da casa não fazem milagres», teve de tomar rumo para conseguir ascender ao topo da carreira, o que aqui nas maiatas terras lhe estava vedado por circunstâncias várias. Foi sempre um homem devotado à Família. À mãe, companhia constante e próxima, e ao pai, que embora emigrado, e desaparecido cedo, nunca saiu das suas lembranças. Mas para além da Família, outra grande paixão era a que nutria por Moreira, pelas suas Gentes e pelas questões que lhe diziam respeito. Por isso, quando podia, não faltava a uma festa, uma procissão, um funeral. Por isso participou de muitas ações socio-caritativas desenvolvidas na comunidade moreirense através da Conferência Vicentina. Aceitou, quando ninguém queria, a grande nau que era a presidência da direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Moreira da Maia, que exerceu, de forma ativa, dinâmica, inovadora e constante desde 1994, marcando indelevelmente a vida da coletividade. Respondeu ao desafio lançado por Albino Maia, mesmo sendo de partidos diferentes, de presidir à Assembleia de Freguesia da Vila de Moreira, o que fez sempre com tato, saber, respeito e elegância difíceis de igualar. Durante vários anos foi deputado à Assembleia Municipal da Maia, pelo CDS-PP, tendo sido presidente da sua Assembleia Concelhia. Era também Presidente da Assembleia Geral da Associação Mutualista de Moreira da Maia e Freguesias Circunvizinhas. Foi Secretário da Direção, Presidente do Conselho Fiscal e Presidente da Assembleia Geral do Futebol Clube de Pedras Rubras. Esteve sempre ao serviço da sua Terra e da suas Gentes com a grandeza dos humildes e a humildade dos grandes. Faleceu, após doença prolongada, a 22 de Maio de 2010.
Dr. José Vieira de Carvalho
José Vieira de Carvalho nasceu no Lugar de Crestins, freguesia de Moreira da Maia, a 18 de Abril de 1938. Fez a instrução primária na Escola de Crestins, tendo como Mestre o Prof. Oliveira Andrade, com quem desenvolveu uma amizade que só a morte interrompeu. Ingressa depois no Colégio dos Carvalhos, onde concluiu os estudos liceais. Vai para Lisboa, instala-se no Colégio Universitário Pio XII, onde surge outra amizade indestrutível – a do Padre Joaquim Aguiar. Matricula-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde conclui a Licenciatura em Ciências Históricas e Filosóficas com altíssima classificação, defendendo na altura a «Tese de Licenciatura», subordinada ao título «O Mosteiro de S. Salvador de Moreira – Subsídios para a sua história», que a Câmara Municipal da Maia editou no décimo aniversário da sua morte. Na vida militar distingue-se não só como oficial mas sobretudo como docente na Academia Militar e como responsável pelo Centro Psicotécnico. Regressa à Maia, sendo então convidado para docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Neste estabelecimento de Ensino Superior ao longo de doze anos regeu as disciplinas de História da Cultura Portuguesa, História Moderna e Contemporânea, Paleografia e Diplomática e História Medieval de Portugal. Em 14 de Fevereiro de 1970 foi designado Presidente da Câmara Municipal da Maia, cargo que exerceu até Junho de 1974. Durante o período revolucionário de 25 de Abril, enquanto a democracia não se consolidou, foi perseguido, vindo a ser, em Março de 1975, privado da sua liberdade, sendo preso sem culpa formada, e libertado sem ser acusado. Em Janeiro de 1980, regressou à Presidência da Câmara Municipal da Maia, desta vez, na sequência da vontade popular, expressa em eleições livres e democráticas realizadas em 16 de Dezembro de 1979. Foi sempre reeleito até ao seu prematuro desaparecimento, justamente quando iniciava um novo mandato. Em 1993, liderou o processo de constituição da empresa Metro do Porto, S.A., integrando, desde o momento da sua fundação, o Conselho de Administração da empresa. Ocupou a Presidência da Junta Metropolitana do Porto entre 1998 e 2002. Foi Deputado à Assembleia da República durante cerca de 20 anos. Presidiu ao Conselho da Região do Norte. Foi membro do Comité das Regiões da União Europeia. Foi Presidente da Associação de Futebol do Porto, Fundador da Universidade Livre do Porto, Presidente do Conselho Científico do Instituto Superior da Maia – ISMAI e Provedor da Santa Casa da Misericórdia da Maia. Faleceu a 1 de Junho de 2002.
Alguma Bibliografia: O Mosteiro de S. Salvador de Moreira – Instituição Valorizadora da Terra da Maia (1969); Que o que governa se comporte como o que serve (1995); A Regionalização para Portugal (1996); Da Maia para Portugal (2002); O Mosteiro de S. Salvador de Moreira – Subsídios para a sua história (2012).
José Augusto Maia Marques
José Félix Farinhote
José Félix Farinhote é natural de Foz Côa, filho de José Joaquim Farinhote e de Maximina Augusta Costa Félix Farinhote. Era o quarto de sete irmãos, quatro rapazes e três raparigas. Concluiu o curso de medicina na Escola Médico-Cirúrgica do Porto (depois Faculdade de Medicina) em 1910. Apresentou, em Junho de 1912, a chamada então «dissertação inaugural» (depois tese de licenciatura) intitulada «A cryogenina na febre typhoide». Esta diferença de dois anos deve-se ao facto de, com a implantação da república, ter surgido a esperança de que as teses seriam abolidas. Como não foi o caso, José Félix Farinhote cumpriu escrupulosamente o preceituado. Dois dos seus irmãos, António (o 2º) e Francisco (o 3º) foram padres, mas ambos abandonaram a vida sacerdotal e casaram com as respetivas criadas. Um tio, Luiz António Farinhote, foi Abade de S. Mamede de Infesta, consagrado aliás na toponímia local. Muito querido da população, quando se deu o 5 de Outubro alinhou pelos ideais republicanos, mesmo com o seu anticlericalismo, o que o levou a um choque com outros padres e com o Bispo D. António Barroso. Quiçá influenciado por este seu Tio, o Dr. Farinhote foi também um elemento destacado do republicanismo maiato, o que levou o Governador Civil pós 5 de Outubro, Paulo José Falcão, a nomeá-lo para a presidência da Comissão Municipal do Concelho da Maia. Homem íntegro, desilude-se com o rumo que as coisas tomavam e acaba por se afastar das lides políticas logo no início do ano seguinte, dedicando-se por inteiro à medicina. Entretanto fora mobilizado como Capitão-médico miliciano no Corpo Expedicionário Português na Flandres, em 1919, tendo prestado os mais relevantes serviços, regressando de França com o regimento de Infantaria 15, sob o comando do major Ferreira do Amaral, forças chegadas a Lisboa dois dias depois de sufocado o movimento revolucionário de Monsanto.
José Félix Farinhote tinha, como sabemos, fixado a residência no concelho da Maia, onde constituiu família ao casar com Laura Sousa Dias Farinhote, tendo tido uma filha Emília Maximina Farinhote, que por sua vez casou e teve descendência na Póvoa do Varzim. Foi por isso na Maia que desempenhou vários cargos como os de médico na Cooperativa Popular de Moreira da Maia, de médico municipal e de subdelegado de saúde, para além do já referido de Presidente da Câmara. Conquistou, pela familiaridade do seu trato, a simpatia dos habitantes do concelho, que deram o seu nome a uma das ruas de Moreira. Depois do seu falecimento, nas sedes da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários e da Cooperativa Popular foram inaugurados os seus retratos, em Maio de 1931, semanas depois do seu concorridíssimo funeral, no cemitério de Perafita.
Maria Peregrina de Sousa
Maria Peregrina de Sousa nasceu no Porto, na paróquia da Sé, na rua dos Caldeireiros, onde moravam os pais, a 13 de fevereiro de 1809. Era filha de António Ventura de Azevedo e Sousa, comerciante de sedas, nascido em Moreira, no lugar de Sendal, em 1784, e a mãe, prima direita do pai, era D. Maria Margarida de Sousa Neves.
Porquê Peregrina?
Num dos seus escritos, que assina com o pseudónimo “Mariposa”, D. Maria Peregrina esclarece:
“Nasci no mês mais pequeno do ano, e logo andei peregrinando pelas montanhas, ou antes andaram peregrinando comigo: era um presságio do meu futuro destino.
Uma escritora que atravessa o século XIX -1809-1894 – atravessa também todas as vicissitudes de várias guerras.
Em 1809, Soult entra no Porto e os pais de Peregrina, então só Maria, fogem com ela para S. João de Canelas, em Gaia, paróquia onde o padrinho, António José Francisco, era abade. Mas não estavam seguros. Os franceses não respeitavam igrejas nem abades.
Os pais de Maria andaram escondidos e a mudar-se de um lado para o outro. É isso que leva o padrinho a acrescentar Peregrina ao nome de Maria, nome que passa a usar sempre.
Qual o temperamento da menina ?
Eis o que conta a Castilho:
“Tinha eu um génio naturalmente alegre, herdado em comum de pai e mãe; mas assim mesmo já em criança gostava de gozar o meu poucochinho da solidão e melancolia. A essa melancolia vaga, que então não tinha realidades a que se encostar, chamarei eu hoje quase alegria; tanta era a satisfação que me dava.”
(Rev. Contemporânea de Portugal e Brasil -1861).
Este sentimento ultra-romântico está presente nalgumas das suas poesias.
Enquanto o padrinho, António José Francisco, foi vivo, a família passava muito tempo em S. João de Canelas. Este faleceu a 18 de setembro de 1823 e, depois da sua morte, embora não o possamos afirmar com segurança, Peregrina passa mais tempo em Moreira, mas vivendo no Porto, devido ao negócio do pai.
A nossa escritora diz ter tido uma infância feliz. Era traquinas e podia correr livremente pela quinta. Foi rodeada de afeto pelos pais e pela avó materna, a única que conhecera.
Leça é local também frequentado pela família Azevedo e Sousa. Há um registo de óbito em que, para melhor identificação da falecida, se acrescenta “criada de D. Maria Peregrina de Sousa”.
A sua descontração infantil foi dando lugar a uma maior reserva, de tal modo que adota pseudónimos para assinar as suas obras. Também pesava o facto de ser mulher.
A partir dos nove anos acompanha a mãe a toda a parte. Esta era pessoa, não muito instruída, mas muito sensata, com força de carácter, franca, bondosa e muito religiosa. Quando estavam no Porto iam muitas vezes ao teatro.
Para lá do gosto pelo teatro, Maria Peregrina tinha a paixão pela dança e pelas festas, mas os pais advertiam-na de que isso não podia ser um modo de vida.
O pai ensinou-a a ler quando ela começou a falar bem, ao que parece muito cedo. Ler era coisa de que muito gostava.
Se atentarmos à obra de Maria Peregrina de Sousa vemos, nos seus romances e nos seus pequenos contos, e até nalgumas poesias, uma inegável preocupação moralista, consequência, sem dúvida, da sua educação.
Teve mestre de escrita, mas só escrevia se fosse obrigada.
A ligação afetiva aos pais é muito vincada e ao falar deles a Castilho tece-lhes grandes elogios.
Quando, em 1932, se deu o Cerco do Porto pelas tropas miguelistas, a família veio para a Quinta de Moreira, na Maia, mas sem o pai que fora preso e levado para Penafiel, por se recusar a cumprir ordens de D. Miguel.
Com o desgosto, a saúde da mãe foi-se deteriorando, tendo morrido a 11 de maio de 1833, sem voltar a ver o marido.
Quinze dias depois, este apareceu em casa, pois conseguira fugir de Viseu, para onde tinha sido deportado.
A conjuntura económica provocada pelo Cerco do Porto e a fraude de um falso amigo levaram-no à falência.
De regresso a Moreira, para onde António Ventura fora nomeado Administrador do Concelho da Maia, Maria Peregrina de Sousa dedica-se aos livros e começa a escrever xácaras e pequenos romances que envia em 1842 e 1843, anónimos, para o “Archivo Popular” de Lisboa.
É em 1844 e 1845 que manda para a “Revista Universal Lisbonense”, redigida por A. F. de Castilho, as “Superstições Populares do Minho” assinadas pela “Obscura Portuense”. Castilho não descansa enquanto não descobre quem é este autor/autora e surge uma amizade que se traduz numa importante troca de correspondência. O poeta vai mesmo visitar Peregrina e a família a Moreira da Maia, em 1854, como relata na Revista Contemporânea de Portugal e Brasil (1861).
Por influência de Castilho, Maria Peregrina publica no “Iris”, do Rio de Janeiro.
Em 1851 escreve, em “O Pirata”, “O grilinho da lareira”, poesia que volta a publicar, em 1855, no “Almanach de Lembranças” modificando ligeiramente alguns versos.
Em 1856 morre-lhe o pai e Peregrina passa a viver só com a irmã, Maria do Patrocínio, no Porto, enfrentando algumas dificuldades económicas e tendo ainda que sustentar demandas com o irmão, coisa que chocava com o seu temperamento. Continua, porém, a escrever, colaborando com vários periódicos. Em 1864 morre-lhe a irmã, muito mais nova que ela. É nesta cidade que continuará a residir até ao fim da vida. Em 1865, no “Esperança”, escreve um folhetim, “Maria Isabel”, que dedica à irmã e que é depois publicado em livro e dedicado pelo editor ao Visconde de Vilar d’ Allen. Nele, a autora usa a linguagem do povo, adquirida na convivência com os lavradores desde a sua infância, aspeto que muitas vezes se salienta na sua obra.
O primeiro romance de M. P.S., em livro, foi publicado em1859 e dedicado a Castilho. Tem o título “Retalho de Mundo”. Cada capítulo começa com um provérbio, rifão ou anexim, tal como acontecia com “Maria Isabel,” na primeira publicação.
“Rhadamanto ou a Mana do Conde”, romance que a autora privilegiava e que não publicara por falta de meios, é impresso em 1863 a expensas da Sociedade Madrépora do Rio de Janeiro e inclui o romance
“Roberta ou a Força da Simpatia”, publicado em folhetim no “Periódico dos Pobres no Porto”, em 1848.
O quarto e último romance em livro, “Henriqueta”, é datado de 1876, embora já tivesse sido publicado em folhetim em “O Pirata” (1850).
Para além dos periódicos já referidos, colabora, ainda, em três periódicos de poesia, a saber :
“A Miscelânea Poética” – 1851 e 1852
“O Bardo” – 1852
“A Grinalda” – 1855 a 1869
Colabora, tal como a irmã, que também escrevia poesia, num periódico quinzenal de literatura e modas, “O Recreio das Damas”, onde apenas os redatores eram homens. O primeiro número é de 1859 e só existem 4 exemplares na Biblioteca Pública Municipal do Porto. Registe-se, ainda, a colaboração no “A Aurora”, em 1852, em “O Lidador” em1854, e no “Almanach das Senhoras para Portugal e Brasil” onde , segundo sabemos, aparece a sua última publicação em periódicos: uma poesia de 1871. Publica numerosos trabalhos em “O Braz Tisana”.
A pedido de Castilho, comenta alguns versos dos “Fastos de Ovídio”, por ele traduzidos para português.
A pedido de José Leite de Vasconcelos, escreve, em1882, um artigo intitulado “Costumes Populares da Maia”, incluído no ”Anuário das Tradições Populares Portuguesas” de 1883.
Leite de Vasconcelos compilou as “Superstições do Minho”, da autoria da escritora, anteriormente publicadas avulso na “Revista Universal Lisbonense”, e publicou-as na “Revista Lusitana”, em 1900/1901, com o título “Tradições Populares do Minho”. É por este trabalho que se torna reconhecida, mas é injusto fazê-lo só por isso, pois escreve poesias, xácaras, contos, romances, crónicas, charadas, tendo presente o quotidiano popular e burguês.
Os vícios da sociedade preocupam-na e procura levantar problemas como o da educação, do papel dos pais, do equilíbrio dos gastos, da vaidade, por exemplo.
D. Maria Peregrina de Sousa morreu a 16 de novembro de 1894, no Porto, na Rua de Santa Catarina. Foi sepultada em Agramonte, no Cemitério Privativo da Ordem do Carmo.
A sua obra literária foi quase toda produzida em Moreira.
Texto de Manuela Peixoto Baptista, “D. Maria Peregrina de Sousa – Uma portuense com raízes maiatas”, adaptado por Hélder Quintas Oliveira”
Rafael Carlos Pereira de Sousa
Nasceu em Viseu a 3 de Março de 1821 mas cedo deixou a terra natal. Em Ponte de Lima conheceu um boticário que possuía uma excelente livraria, que Rafael verdadeiramente devorou. Fixou-se depois em Pedras Rubras, onde casou, em 1848, com Maria Alves Pereira, daqui natural. Trazemo-lo ao conhecimento do público porque ele foi, não o «homem dos sete instrumentos», mas das dez profissões, já que foi, quase sempre ao mesmo tempo: ferrador, pintor, alfaiate, tamanqueiro, fogueteiro, algebrista (endireita), alveitar (veterinário), mestre-escola e astrónomo. Entretanto, ainda teve tempo para escrever vários livros, com destaque para o Almanaque da Borda-Leça, o Livro do Futuro ou a arte de adivinhar, a Pirotecnia ou o novo manual do fogueteiro e a Nova Veterinária ou compêndio de medicina veterinária teórico e prático. O Almanaque, muito apreciado na região, publicou-se desde 1849 pelo menos até 1911. Também o Padre Joaquim Antunes de Azevedo que se lhe refere nas suas «Memórias…» nota, por exemplo, que foi ele quem elaborou a primeira numeração, hoje chamada «de polícia», bem como a primeira ordenação toponímica da freguesia de Moreira e de parte do concelho da Maia. E, como dizia o Padre Vieira Neves na Revista da Maia de 1885:«E este homem é pobre!». Imagine-se.
José Augusto Maia Marques